segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Anjos e Demônios - A primeira aventura de Robert Langdon (Dan Brown)



PERSONAGENS

- Leonardo Vetra [Física e católico, antigo padre, que é assassinado]
- Maximilian Kohler [Diretor do centro de pesquisa CERN]
- Robert Langdon [Professor da Universidade de Harverd e especialista no antigo grupo Iluminatti]
- Vittoria Vetra [Física e Bióloga, filha adotiva de Leonardo Vetra]
- Hassassin [o próprio nome despensa comentários; contratado pelos Iluminattis, faz todo o trabalho sujo]
- Janus [O líder dos Iluminatti]
- Sylvie Baudeloque [Secretária de Kohler]
- Mortati [Cardeal mais velho do conclave, tem por objetivo supervisionar o ritual]
- Olivetti [Comandante da Guarda Suíça do Vaticano]
- Carlo Ventresca [Camerlengo do último Papa]
- Gunther Glick [Repórter da BBC]
- Chinita Macri [Cinegrafista da BBC]
- Rocher [Capitão da Guarda Suíça]
- Chartrand [Tenente da Guarda Suíça]
- Lamassé [Cardeal de Paris - Um dos Preferitti]
- Guidera [Cardeal de Barcelona - Um dos Preferitti]
- Ebner [Cardeal de Frankfurt - Um dos Preferitti]
- Aldo Baggia [Cardeal da Itália - Um dos Preferitti]







ALGUNS TRECHOS

* "A imagem na página era a de um cadáver humano. O corpo fora despido e a cabeça fora torcida, virada completamente para trás. No peito da vítima havia uma terrível queimadura. O homem fora marcado a fogo... com uma única palavra. Uma palara que Langdon conhecia bem, muito bem. Ele olhou fixadamente, incrédulo, para as letras desenhadas.
-Illuminati - ele gaguejou, o coração batendo forte. Não pode ser..." (pg 13).


* "Os segredos que Janus partilhara com o Hassassin nas duas últimas semanas haviam sido muitos - aquele túnel era um deles. Antigo, mas ainda perfeitamente usável.
À medida que se aproximava de seu inimigo, o Hassassin ponderava se o que o esperava lá dentro seria mesmo tão fácil quanto Janus prometera. Janus garantiria que alguém no interior faria os arranjos necessários. Alguém no interior. Incrível.Quanto mais refletia, mais chegava à conclusão de que seria brincadeira de criana.Wahad... tintain... tralatha... arbaa, disse para si mesmo em árabe ao se aproximar do final. Um... dois... três... quatro..." (pg 63).


* "O Hassassin encontrava-se no fim do túnel de pedra. Sua tocha ainda ardia, a fumaça misturando-se com o cheiro de musgo e de ar parado. O silêncio o rodeava. A porta de ferro que lhe fechava o caminho parecia tão velha quanto o próprio túnel, enferrujada mais ainda firme. Ele esperou na penumbra, confiante.
Estava quase na hora." (pg 78).


* "Langdon deu um gemido. Não podia acreditar que, naquelas circunstâncias, o homem estivesse preocupado com trajes. Contudo, refletiu, se pênis de pedra podiam despertar pensamentos lascivos nos moradores do Vaticano, Vittoria Vetra de short certamente seria uma ameaça à segurança nacional." (pg 105).


* "-Tenho aqui uma mulher de short me dizendo que uma gotinha de líquido vai explodir o Vaticano e um professor americano me dizendo que somos o alvo de um culto anti-religioso. O que afinal querem que eu faça?" (pg 106).


* "Idiota arrogante, pensou Vittoria. Um guia de balística? Que tal uma enciclopédia? Na letra A!" (pg 117).


* "... ele têm gente aqui dentro. Não era nenhum mistério a tática da infiltração ser a marca registrada do poder dos Illuminati. Haviam-se infiltrado entre os maços, nas grandes redes de bancos, organismos dos governos. Churchill, certa vez, chegara a dizer a jornalistas que, se os espiões ingleses tivessem se infiltrado entre os nazistas da mesma forma como os Illuminati tinham se infiltrado no Palamento inglês, a guerra tinha terminado em um mês." (pg 102).


* "Por quê? Porque seus guardas suíços estão vigilante? Porque eles tomam conta de cada pedacinho de seu mundo particular? E que tal os próprios guardas suíços? Não são homens? Acredita mesmo que arriscariam suas vidas pela fábula de um homem que anda sobre a água? Pergunte a si mesmo de que outra maneira a antimatéria poderia ter entrado em sua cidade. Ou como quatro de seus mais preciosos ativos poderiam ter desaparecido esta tarde." (pg 120).


* "- Seu oficial não lhe informol? Que pecado! Não me surpreende com tanta vaidade. Imagine a desmoralização, contar a verdade, que quatro cardeais que ele jurou proteger desapareceram..." [Fala do Hassassin] (pg 120).


* "- O que acha que pretendo? Sou descendente dos Hassassin.
Langdon sentiu um calafrio. Conhecia bem aquele nome. A Igreja fizera alguns inimigos mortais através dos anos - os Hassassin, os Cavaleiros Templários, exércitos que haviam sido perseguidosou traídos pelo Vaticano." (pg 121).


* "– Esqueça seus quatro cardeais. Eles já estão perdidos para você. Mas fique certo de que suas mortes serão lembradas por milhões de pessoas. É o sonho de todo mártir. Farei deles luminares da mídia. Um a um. Até a meia-noite, os Illuminati vão atrair a atenção de todos. Para que mudar o mundo se o mundo não estiver assistindo? Os assassinatos públicos têm um certo horror inebriante, não é verdade? Vocês provaram isto há muito tempo com a Inquisição, a tortura dos Templários, as Cruzadas. – Ele fez uma pausa.
– E, é claro, La purga." (pg 122).


* "– Depois de serem marcados a fogo, os cientistas foram assassinados e seus corpos foram deixados em locais públicos em torno de Roma como advertência a outros cientistas para que não se juntassem aos Illuminati.
– Sim, é isso. Portanto, vamos fazer o mesmo. Quid pro quo. Considerem o gesto como represália por nossos irmãos assassinados. Seus quatro cardeais vão morrer, um a cada hora, começando às oito. À meia-noite teremos a atenção do mundo inteiro." (pg 122).


* "– Vocês pretendem mesmo marcar a fogo e matar esses quatro homens?
– A história se repete, não é? Claro que vamos ser mais elegantes e audaciosos do que a Igreja foi. Eles mataram em particular, abandonando os corpos quando ninguém estava olhando. Uma atitude tão covarde!
– O que está dizendo? Que vai marcar e matar esses homens em público?
– Muito bem! Embora isso dependa do que você considera público. Noto que não há mais tanta gente assim indo à igreja.
Langdon arriscou mais uma vez.
– Vai matá-los dentro de igrejas?
– Um gesto de bondade. Permitir que Deus convoque as suas almas ao Paraíso com maior presteza. Nada mais justo. Evidentemente, a imprensa também vai adorar, penso eu.
– Você está blefando – disse Olivetti, a frieza de volta na voz. – Não pode matar um homem dentro de uma igreja e achar que pode escapar impune.
– Blefando? Nós nos movimentamos entre os seus guardas suíços como se fôssemos fantasmas, tiramos quatro de seus cardeais de dentro de suas paredes, plantamos um explosivo mortal no meio de seu santuário mais sagrado e você acha que estou blefando? À medida que as mortes se sucederem e as vítimas forem encontradas, todos os meios de comunicação vão acorrer como um verdadeiro enxame para cá. À meia-noite o mundo vai tomar conhecimento da causa dos Illuminati.
– E se colocarmos guardas em cada igreja? – disse Olivetti.
O homem riu.
– Receio que a natureza prolífica de sua religião torne essa tarefa difícil. Tem feito contas ultimamente? Há mais de quatrocentas igrejas católicas em Roma. Catedrais, capelas, tabernáculos, abadias, monastérios, conventos, escolas paroquiais...
O rosto de Olivetti continuou impassível.
– Em noventa minutos, vou começar – disse o homem, conclusivo. – Um por hora. Em uma progressão matemática e mortal. Agora, preciso ir.
– Espere! – pediu Langdon. – Fale-me das marcas que pretende usar nesses homens.
O matador pareceu divertir-se.
– Desconfio que já saiba quais serão as marcas. Ou será que você é um cético? Vai vê-las logo, logo. Vão provar que as lendas antigas são verdade." (pg 123).


* "– Quantos anos você tem? O Vaticano é uma fortaleza porque a Igreja Católica mantém metade de seu patrimônio dentro desses muros – pinturas e esculturas raras, jóias de valor incalculável, livros preciosos... e ouro em barras e títulos imobiliários nos cofres do Banco do Vaticano. Estima-se que o valor bruto da Cidade do Vaticano seja de 48,5 bilhões de dólares. Um pé-de-meia bastante razoável. Amanhã, será um monte de pó. Ativos liquidados, para dizer a verdade. Vocês estarão falidos. Nem os homens do clero podem trabalhar de graça." (pg 124).


* "A exatidão das afirmativas refletia-se na expressão de Olivetti e do camerlengo, a de pessoas em estado de choque. Langdon não sabia o que era mais impressionante: a Igreja Católica ter todo aquele dinheiro ou os Illuminati terem conhecimento dele." (pg 124).


* "– I preferiti – disse o camerlengo, mudando de assunto. Sua voz suplicava.
– Poupe-os. São velhos. Eles...
– Serão sacrifícios de virgens – o homem riu. – Diga, acredita mesmo que eles sejam virgens? Será que os carneirinhos vão balir ao morrer? Sacrifici vergini nell’altare di scienza.
O camerlengo ficou em silêncio um longo tempo.
– São homens de fé – disse afinal. – Não temem a morte.
O homem escarneceu.
– Leonardo Vetra era um homem de fé e contudo vi medo em seus olhos na noite passada. Um medo que eliminei." (pg 125).


* "Vittoria, até então calada, de repente deu um salto, o corpo retesado de ódio, e exclamou.
– Assassino! Ele era meu pai!
Uma gargalhada ecoou do outro lado do telefone.
– Seu pai? Que história é essa? Vetra tinha uma filha? Você tem de saber que seu pai choramingou como uma criança no final. De dar pena, realmente. Um homem patético.
Vittoria cambaleou como se tivesse sido agredida fisicamente pelas palavras dele. Langdon correu para ampará-la, mas ela recuperou o equilíbrio e fixou os olhos escuros no aparelho.
– Juro pela minha vida que antes que esta noite acabe vou encontrar você.
– A voz dela saiu cortante como um laser. – E quando isto acontecer...
O homem riu de modo grosseiro.
– Uma mulher de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe, eu encontre você. E quando isto acontecer...
As palavras pairaram como uma lâmina no ar. Ele se fora." (pg 125).


* "Os cardeais costumavam brincar que ser indicado como Grande Eleitor era a honra mais cruel da cristandade. A indicação tornava a pessoa inelegível, além de exigir que passasse muitos dias antes do conclave debruçada sobre as páginas do Universi Dominici Gregis reestudando as sutilezas dos misteriosos rituais do conclave para garantir que a eleição fosse administrada convenientemente." (pg 126).


* "A piada que circulava internamente dizia que aceitar o papado era “o caminho mais curto para o Céu” para um cardeal." (pg 126).


*... "o mundo moderno progredia afastando-se da Igreja, o Papa promovera aberturas, suavizando a posição da Igreja com relação às ciências e até fazendo doações em dinheiro para causas científicas selecionadas.
Lamentavelmente, aquilo acabara se constituindo em suicídio político. Os católicos conservadores declararam que o Papa estava “senil” e os puristas científicos acusaram-no de tentar disseminar a influência da Igreja onde não era chamado." (pg 127).


* ". Mortati suspeitava de que grande parte dessa animosidade fosse de fato causada por ciúme, e ele próprio admirava muito o jovem padre, tendo aplaudido em segredo o gesto do último Papa quando este o escolhera para seu camarista. Mortati só via convicção nos olhos do camerlengo e, ao contrário de muitos cardeais, o camerlengo colocava a Igreja e a fé antes da política trivial. Ele era verdadeiramente um homem de Deus." (pg 127).


* "Olhou, além do altar, para o afresco restaurado de Michelangelo, O Último Julgamento. A pintura não acalmou sua ansiedade. Era uma apavorante representação de mais de 15 metros de altura de Jesus Cristo separando a humanidade entre virtuosos e pecadores, e lançando os pecadores no inferno. Havia carne viva exposta, corpos queimando e até um dos rivais de Michelangelo usando orelhas de burro sentado no inferno. Guy de Maupassant escrevera certa vez que aquela pintura parecia ter sido criada para uma barraca de lutas de parque de diversões por um carvoeiro ignorante." (pg 128).


* "Os Iluminati, como uma serpente saída das profundezas esquecidas da História, haviam surgido e se enrolado em torno de um antigo adversário. Nenhuma exigência. Sem negociações. Só retaliação.
Demoniacamente simples. Exercendo pressão. Uma vingança preparada durante 400 anos. Ao que parecia, depois de séculos de perseguição, a ciência revidava." (pg 128).


* "– Sua Santidade me disse certa vez que o Papa é um homem dividido entre dois mundos, o mundo verdadeiro e o divino. E que a igreja que ignorasse a realidade não sobreviveria para desfrutar do divino. – Sua voz soava de repente mais madura do que a de alguém de sua idade. – O mundo real está diante de nós esta noite. Seria uma ilusão ignorá-lo. Orgulho e precedência não podem obscurecer a razão." (pg 129).


* "– O mundo real, signore. O senhor está nele esta noite. Preste atenção. " (pg 129).


* "Una bugia veniale. Uma mentira inocente. " (pg 131).


* "Olivetti encarou o camerlengo com firmeza.
– A oração de São Francisco, signore. Lembra-se dela?
O jovem padre pronunciou uma única frase com um tom dolorido.
– “Deus, dê-me forças para aceitar as coisas que não posso mudar.”
– Acredite em mim – concluiu Olivetti –, esta é uma dessas coisas.
E saiu." (pg 132).


* "A fé não protege ninguém. Remédios e air-bags é que protegem as pessoas. Deus não protege ninguém. A inteligência, sim. Esclarecimento. Tenha fé somente em algo com resultados tangíveis. Há quanto tempo não se ouve falar que alguém andou sobre a água? Os milagres modernos são realizados pela ciência... computadores, vacinas, estações espaciais... até o milagre divino da criação. A matéria vinda do nada... em um laboratório. Quem precisa de Deus? Não! A ciência é Deus." (pg 136).


* "From Santi’s earthly tomb with demon’s hole,
Cross Rome the mystic elements unfold.
The path of light is laid, the sacred test, 
Let angels guide you on your lofty quest.



Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio
Através de Roma se estendem os místicos elementos.
O caminho da luz está preparado, o teste sagrado,
Que os anjos o guiem em sua busca sublime." (pg 170).


* "Caminhando para o primeiro nicho, passou pela tumba de um dos reis católicos da Itália. O sarcófago, como muitos outros em Roma, fora colocado obliquamente à parede, uma posição meio desajeitada. Um grupo de visitantes dava a impressão de estar perplexo com aquilo. Langdon não se deteve para explicar. As tumbas cristãs muitas vezes não eram alinhadas com a arquitetura para que ficassem voltadas para o leste. Tratava-se de uma antiga superstição que uma das turmas de Simbologia de Langdon chegara a discutir no mês anterior.
– Isso é totalmente absurdo! – uma aluna na fila da frente exclamara quando Langdon explicou a razão por que as tumbas eram viradas para leste. – Por que os cristãos iriam querer suas tumbas voltadas para o sol nascente? Estamos falando de cristianismo, não de adoração ao Sol!
Langdon sorriu, andando diante do quadro-negro e comendo uma maçã.
– Senhor Hitzrot! – gritou ele.
Um rapaz que cochilava no fundo da sala sentou-se, sobressaltado.
– Eu?
Langdon apontou para um pôster sobre arte renascentista pendurado na parede.
– Quem é aquele homem ajoelhado diante de Deus?
– É... um santo?
– Muito bem. E como sabe que é um santo?
– Por causa do halo? – Excelente, e esse halo dourado lembra alguma coisa?
Hitzrot abriu um sorriso.
– Claro! Aquelas coisas egípcias que estudamos no semestre passado. Aqueles... humm... discos solares!
– Obrigado, Hitzrot. Pode continuar a dormir. – Langdon dirigiu-se de novo à turma. – Os halos, como grande parte da simbologia cristã, foram tirados da antiga religião egípcia baseada na adoração ao Sol. O cristianismo está cheio de manifestações de adoração ao Sol.
– Desculpe – disse a moça da fila da frente –, mas vou sempre à igreja e não costumo ver tanta adoração ao Sol assim!
– É mesmo? O que você comemora no dia 25 de dezembro?
– O Natal. O nascimento de Jesus Cristo.
– No entanto, de acordo com a Bíblia, Cristo nasceu em março. Por que, então, se comemora a data no final de dezembro?
Silêncio.
Langdon prosseguiu.
– O dia 25 de dezembro, meus amigos, é o dia da antiga festa pagã do sol invictus, o Sol Invicto, que coincidia com o solstício de inverno. É aquela maravilhosa fase do ano em que o Sol retorna e os dias começam a ficar mais longos outra vez.
Ele comeu mais um pedaço de maçã e continuou.
– As religiões vitoriosas costumam adotar as festas já existentes para tornar a conversão menos chocante. Chama-se a isto de transmutação. Ajuda as pessoas a se acostumarem com a nova fé. Os devotos mantêm as mesmas datas santas, rezam nos mesmos locais sagrados, usam uma simbologia semelhante e apenas substituem o deus anterior por outro diferente.
A essa altura, a moça da frente estava furiosa.
– O senhor está insinuando que o cristianismo não passa de uma espécie de adoração ao Sol em outra embalagem!
– De jeito nenhum. O cristianismo não tomou elementos emprestados somente da adoração ao Sol. O ritual da canonização cristã foi tirado do antigo rito de deificação de Euhemerus. A prática de “comer Deus” ou seja, a Santa Comunhão, foi copiada dos astecas. Até o conceito de Cristo morrer por nossos pecados pode-se dizer que não é exclusivamente cristão: o auto-sacrifício de um rapaz para absolver os pecados de seu povo aparece nos registros das mais remotas tradições associadas a Quetzalcoatl.
A moça disse, com ar feroz.
– Quer dizer que nada no cristianismo é original? 
– Muito pouco em qualquer religião organizada é inteiramente original. As religiões não começam do zero. Crescem uma a partir da outra. As religiões modernas são colagens, um registro histórico assimilado do esforço humano para compreender o divino.
– Espere aí – disse Hitzrot, agora acordado. – Existe uma coisa cristã que é original. A nossa imagem de Deus. A arte cristã nunca retrata Deus igual a um falcão, a um animal asteca ou algo esquisito assim. Sempre mostra Deus como um velho de barba branca. Então, a nossa imagem de Deus é original, não é?
Langdon sorriu de novo e respondeu.
– Quando os primeiros cristãos convertidos abandonaram suas divindades anteriores, como os deuses pagãos, os deuses romanos, os deuses gregos, o Sol, Mitra ou o que seja, eles perguntaram à Igreja com quem se parecia o seu deus cristão. Sabiamente, a Igreja escolheu o mais temido, o mais poderoso e aquele cuja aparência era a mais conhecida de que se tinha notícia.
Hitzrot arriscou, cético:
– Um velho com uma barba branca comprida?
Langdon apontou para uma representação da hierarquia de deuses da antiguidade pendurada na parede. No alto estava sentado um velho com longas barbas brancas.
– Zeus não lhe parece familiar?
A campainha para encerrar a aula tocou naquele exato momento." (pg 187).


* "A Mona Lisa de Da Vinci.
Os Nenúfares de Monet.
O Davi de Michelangelo.
A tumba terrena de Santi...
" (pg 191).



* " “Existe um poder tão organizado, tão sutil, tão completo, tão penetrante que ninguém deve falar em voz alta quando fizer críticas a ele.” " (196).


* "Se você é uma mulher negra, dizia sua mãe, não há como esconder. Se tentar, vai se dar mal. Levante a cabeça, sorria bonito e deixe os outros quererem descobrir qual é o segredo que faz você rir." (pg 196).


*... "Cecil Rhodes era um Illuminatus? 
– Com todas as letras. E, segundo a nossa rede de emissoras, as bolsas de estudo Rhodes eram fundos estabelecidos séculos atrás para recrutar as mentes jovens mais brilhantes do mundo para as fileiras dos Illuminati." (pg 196).


* "Há relatos que associam os Illuminati a Galileu, aos Guerenets, na França, aos Alumbrados, na Espanha. Até a Karl Marx e à Revolução Russa." (pg 197).


* "Ao contrário do que se costuma pensar, as catedrais renascentistas invariavelmente tinham diversas capelas, sendo que grandes catedrais como a Notre-Dame possuíam muitas. Essas capelas não eram aposentos e sim vãos, concavidades – nichos semicirculares contendo tumbas ao longo do perímetro da igreja." (pg 202).


* "No alto, a cúpula abobadada brilhava com um campo de estrelas iluminadas
e os sete planetas astronômicos. Abaixo, os sete signos do zodíaco – símbolos pagãos, terrenos, cuja origem está associada à astronomia. O zodíaco também estava ligado diretamente a Terra, Ar, Fogo e Água, os quadrantes representando o poder, o intelecto, o ardor e a emoção respectivamente. Terra corresponde a poder, recordou Langdon.
Mais adiante, ele viu na parede tributos às quatro estações temporais da Terra – primavera, estate, autunno, invérno. O mais incrível de tudo, porém, eram as duas imensas estruturas que se elevavam no local. Langdon contemplava-as em silêncio, pasmo. Não pode ser, pensava. Não é possível! Mas era. De cada lado da capela, em rigorosa simetria, havia duas pirâmides de mármore de três metros de altura." (pg 205).


* "No centro de cada pirâmide, engastados em suas fachadas, encontravam-se dois medalhões de ouro, medalhões como poucos que Langdon jamais vira: elipses perfeitas. Os discos polidos brilhavam à luz do sol poente que se infiltrava pela cúpula. As elipses de Galileu? Pirâmides? Uma abóbada de estrelas? O aposento tinha mais significado Illuminati do que se Langdon o tivesse inventado em sua cabeça." (pg 205).


* "Rindo com escárnio para eles do chão havia a imagem de um esqueleto – um mosaico de mármore intricadamente detalhado representando “a morte em vôo”. O esqueleto carregava uma placa com a mesma imagem da pirâmide e estrela que tinham visto lá fora. Não havia sido a figura, entretanto, que gelara o sangue de Langdon. Fora o fato de estar encaixada em uma pedra circular – chamada cupermento– que tinha sido removida como uma tampa de poço e estava agora pousada ao lado de uma negra abertura no piso.
– A cova do demônio – disse Langdon com voz entrecortada." (pg 205).




* "Três degraus depois, quase caiu de novo, mas dessa vez por um motivo diferente – um sobressalto de medo. Ao passar por um nicho escavado na parede, deu de cara com um monte de caveiras. Quando recuperou o fôlego e olhou em torno, percebeu que naquele trecho havia diversas aberturas em forma de prateleiras – nichos funerários –, todas cheias de esqueletos. Formavam, sob a luminosidade fosforescente, uma colagem sobrenatural de órbitas vazias e gaiolas torácicas em decomposição tremeluzindo à sua volta." (pg 210).


* "Emergindo como um demônio do chão de terra, havia um homem idoso, ou metade dele. Fora enterrado até a cintura. Completamente despido. As mãos atadas atrás do tronco com uma faixa vermelha de cardeal. Estava molemente inclinado, a espinha arqueada para trás como uma espécie de medonho saco de treinamento de pugilismo, os olhos voltados para o céu como se implorasse a ajuda do próprio Deus." (pg 210).




* "A cena era horripilante. A boca do homem fora escancarada e entulhada de terra.
– Alguém lhe enfiou uma porção de terra na boca. Ele morreu sufocado.
– Terra? – disse Vittoria.
Langdon caiu em si. Terra. Quase esquecera. As marcas. Terra, Ar, Fogo, Água. O assassino ameaçara marcar cada vítima com um dos antigos elementos da ciência. O primeiro elemento era Terra. Da tumba terrena de Santi. Tonto por causa das emanações, Langdon rodeou o cadáver, ficando de frente para ele. Ao fazê-lo, o simbologista dentro dele reafirmou enfaticamente o desafio artístico de criar o mítico ambigrama. Terra? Como? E, entretanto, um instante depois, estava diante dele. Séculos de lendas sobre os Illuminati rodopiaram em sua mente. A marca no peito do cardeal era uma queimadura de onde exsudava líquido. A carne estava carbonizada. La lingua pura..." (pg 211).


* "Langdon foi o primeiro a alcançar a menina que gritava. Aterrorizada, a garotinha apontava para a base do obelisco, onde um bêbado decrépito e maltrapilho estava meio caído nas escadas. O homem tinha um aspecto miserável, devia ser um dos sem-teto de Roma. As mechas gordurosas do cabelo grisalho caíam-lhe pelo rosto e o corpo inteiro estava enrolado em um pano sujo. A menina continuou a gritar enquanto corria para longe, misturando-se às pessoas.
Langdon foi tomado por uma nova onda de apreensão ao correr na direção do velho. Havia uma mancha escura se espalhando pelos trapos do homem. Sangue fresco.
Depois, foi como se tudo acontecesse ao mesmo tempo.
O velho tombou para a frente, oscilante. Langdon precipitou-se para ampará-lo, mas não houve tempo. O homem rolou as escadas e bateu no chão com o rosto para baixo. Imóvel.
Langdon caiu de joelhos. Vittoria chegou ao seu lado. Formou-se um ajuntamento de pessoas.
Vittoria colocou os dedos no pescoço do homem por trás.


– Tem pulso – afirmou. – Vire-o.
Langdon já estava em ação. Segurou o homem pelos ombros e virou-lhe o corpo. Ao fazê-lo, os trapos que o envolviam soltaram-se como pele morta. O homem caiu de costas, flácido. Bem no meio de seu peito nu havia uma grande queimadura.
Vittoria prendeu a respiração e recuou.
Langdon ficou paralisado, em um estado intermediário entre a náusea e o assombro. O símbolo era de uma simplicidade aterrorizante. 


 Air... Ar – arquejou Vittoria. – É ele.
Os guardas suíços surgiram vindos do nada, gritando ordens, correndo atrás de um assassino invisível.
Perto, um turista explicou que, minutos antes, um homem de pele escura tivera a gentileza de ajudar aquele pobre mendigo ofegante a atravessar a praça e chegara a sentar-se por um momento nas escadas com o enfermo antes de voltar e sumir na multidão.
Vittoria arrancou o resto dos trapos de cima do abdômen do velho. Havia duas perfurações profundas, uma de cada lado da marca, logo abaixo das costelas. Ela inclinou a cabeça do homem para trás e iniciou uma respiração boca a boca. Langdon não estava preparado para o que aconteceu em seguida. Quando Vittoria soprou, as duas feridas no tórax do homem sibilaram e esguicharam sangue como se fossem respiradouros de baleia. O líquido salgado atingiu Langdon no rosto.
Vittoria parou, horrorizada.
– Os pulmões dele... – ela gaguejou – foram perfurados.
Langdon enxugou os olhos e viu as perfurações. Os orifícios gorgolejavam. Os pulmões do cardeal haviam sido destruídos. Ele estava morto." (pg 231).


* "Robert Langdon entrou meio cambaleante no banheiro particular ao lado do escritório do Papa. Enxugou o sangue no rosto e nos lábios. O sangue não era seu, mas do cardeal Lamassé, que morrera de modo terrível havia pouco na praça cheia de gente. Sacrifícios de virgens nos altares da ciência. Até então, o Hassassin cumprira sua ameaça.
Langdon sentiu-se sem forças ao olhar no espelho. Seu rosto estava abatido, a barba curta começara a escurecer sua face. O aposento em que se encontrava era imaculado e luxuoso – mármore negro com ferragens douradas, toalhas de algodão e sabonetes perfumados.
Tentou apagar de sua mente a marca cruel que vira no peito do cardeal. Ar. A imagem permanecia. Já vira três ambigramas desde que acordara naquela manhã e sabia que mais dois estavam a caminho.
Do lado de fora da porta, Olivetti, o camerlengo e o capitão Rocher estavam discutindo o que fazer em seguida. Pelo jeito, a busca da antimatéria não dera em nada até aquele momento. Ou os guardas não tinham visto o tubo ou o intruso fora mais longe dentro do Vaticano do que o comandante Olivetti gostaria de admitir.
Langdon enxugou o rosto e as mãos. Depois, procurou um mictório. Não havia mictório, somente um vaso sanitário. Ele levantou a tampa do vaso.
De pé ali, a tensão de seu corpo diminuindo, um atordoamento e uma grande exaustão invadiram-no. As emoções que se emaranhavam em seu peito eram muitas e muito incongruentes. Estava cansado, sem dormir nem comer, percorrendo o Caminho da Iluminação e traumatizado por dois assassinatos brutais. Experimentou um sentimento de horror ainda mais profundo quando pensou no possível desenlace daquele drama.
Pense, disse a si mesmo. Mas sua mente estava em branco. Quando acionou a descarga, ocorreu-lhe um pensamento inesperado. Este é o banheiro do Papa. Acabei de fazer pipi no banheiro do Papa. Teve de rir. No Trono Sagrado." (pg 233).


* "O que tranqüilizava Chartrand era saber que o camerlengo estava assumindo o controle. Ele era a pessoa dentro do Vaticano a quem Chartrand mais respeitava. Alguns dos guardas consideravam-no um beato – um fanático religioso cujo amor a Deus beirava a obsessão –, mas até eles concordavam que, quando se tratava de combater os inimigos de Deus, o camerlengo era o homem certo para entrar na briga e jogar duro.
A Guarda Suíça tivera muito contato com o camerlengo naquela semana de preparação do conclave e todos tinham comentado que o homem parecia meio ríspido, os olhos verdes mais intensos do que de costume. Não era à toa, diziam. Ele era o responsável por todo o planejamento do conclave e ainda por cima tinha de providenciar tudo aquilo logo depois da perda de seu mentor, o Papa.
Havia poucos meses que Chartrand estava no Vaticano quando ouvira a história da bomba que matara a mãe do camerlengo na frente do menino. Uma bomba na igreja e agora está acontecendo tudo de novo. Infelizmente, as autoridades nunca prenderam os desgraçados que instalaram a tal bomba, provavelmente algum grupo extremista anticristão, disseram, e o caso caíra no esquecimento. Talvez fosse por isso que o camerlengo não gostava de apatia.
Uns dois meses antes, em uma tarde sossegada, Chartrand cruzara com o camerlengo vindo por um dos caminhos que cortavam a Cidade do Vaticano.
O sacerdote reconhecera Chartrand como um dos novos guardas e convidara-o para acompanhá-lo em um passeio a pé. Não conversaram sobre nenhum assunto em especial, mas o camerlengo fez Chartrand sentir-se imediatamente à vontade.
– Padre – disse Chartrand –, posso lhe fazer uma pergunta esquisita?
O camerlengo sorriu.
– Só se eu puder lhe dar uma resposta esquisita.
Chartrand achou graça.
– Já perguntei isto a todos os padres que conheço e continuo não entendendo.
– O que é que você não entende?
O camerlengo ia na frente em passos rápidos, o pé levantando a ponta da batina quando ele andava. Os sapatos eram pretos, de sola crepe, e combinavam com ele, pensou Chartrand, como se refletissem a essência do homem moderno mas modesto e mostrando sinais de desgaste.
Chartrand respirou fundo.
– Não entendo o que vem a ser uma onipotência benevolente.
O camerlengo sorriu.
– Você anda lendo a Sagrada Escritura.
– Eu tento.
– E está confuso porque a Bíblia define Deus como uma divindade onipotente e benevolente.
– Exato.
– Onipotente e benevolente significa apenas que Deus é todo-poderoso e bem-intencionado.
– Compreendo o conceito. É que parece haver uma contradição aí.
– Sim. A contradição é a dor. A fome, as guerras, as doenças.
– Exatamente! – Chartrand sabia que o camerlengo compreenderia. – Coisas terríveis acontecem neste mundo. A tragédia humana é como uma prova de que Deus não pode ser simultaneamente todo-poderoso e bem-intencionado. Se Ele nos ama e tem o poder de mudar nossa situação, Ele deveria também evitar nossas dores, não é?
– Deveria mesmo? – perguntou o camerlengo.
Chartrand ficou embaraçado. Teria passado dos limites? Será que se tratava de uma daquelas perguntas religiosas que não se devia fazer? – Bem, se Deus nos ama, se é capaz de nos proteger, Ele deveria, sim. Parece que Ele é onipotente e indiferente ou, ao contrário, benevolente e incapaz de nos ajudar.
– Tem filhos, tenente?
Chartrand enrubesceu.
– Não, signore.
– Imagine se tivesse um filho de oito anos. Você o amaria?
– Claro.
– E faria tudo o que pudesse para evitar que ele sofresse na vida?
– Claro que sim.
– E deixaria que ele andasse de skate?
Chartrand estacou, admirado. O camerlengo parecia singularmente “por dentro” para um sacerdote.
– Sim, acho que sim – disse Chartrand. – Com certeza deixaria que andasse de skate, mas diria a ele para ter cuidado.
– Quer dizer que, como pai desse menino, você lhe daria uns bons conselhos básicos e deixaria que saísse e cometesse seus próprios erros?
– Eu não correria atrás dele para mimá-lo, se é o que o senhor quer dizer.
– E se ele caísse e ralasse o joelho?
– Ele aprenderia a ser mais cuidadoso.
O camerlengo sorriu de novo.
– Então, quer dizer que, mesmo tendo o poder de interferir e evitar que seu filho sentisse dor, você optaria por demonstrar seu amor deixando-o aprender suas próprias lições?
– Claro, a dor é parte do crescimento. É como aprendemos.
O camerlengo sacudiu a cabeça.
– Exatamente." (pg 271).


* "A igreja era toda de um profuso estilo barroco, com paredes e altares dourados. Bem no meio do santuário, sob a cúpula principal, os bancos de madeira haviam sido empilhados e incendiados, formando uma espécie de pira funerária épica. Uma fogueira acesa lançando suas labaredas para o domo. Quando Langdon acompanhou com o olhar aquele inferno, o indizível horror do espetáculo completo desceu sobre ele como uma ave de rapina.
Do alto, dos lados direito e esquerdo do teto, pendiam dois cabos de incensórios – cordões usados para balançar recipientes com incenso acima da congregação. Nesses cordões, porém, não havia agora nenhum incensório pendurado. Nem os cordões estavam balançando. Haviam sido usados para outra finalidade...
Suspenso pelos cordões havia um ser humano. Um homem despido. Cada um de seus pulsos fora amarrado a um dos cordões e ele fora içado e esticado quase ao ponto de ser partido ao meio. Seus braços estavam abertos como se tivesse sido pregado em uma cruz invisível que pairasse no ar na casa de Deus.
Paralisado, Langdon olhava para cima. No momento seguinte, presenciou a crueldade final. O velho estava vivo e mexeu a cabeça. Um par de olhos aterrorizados voltou-se para baixo em uma súplica silenciosa por ajuda. No peito do homem, o desenho da queimadura. Ele fora marcado a fogo. Langdon não conseguia ver com nitidez, mas não tinha dúvidas sobre o que estava escrito. As labaredas cresceram e lamberam os pés da vítima, que gritou de dor, o corpo tremendo." (pg 276).


* "Muito acima do chão da igreja, o cardeal Guidera vivia seus últimos torturantes minutos de consciência. Ao baixar os olhos para seu corpo nu, viu a pele dos seus pés formando bolhas e soltando-se. Estou no inferno, concluiu. Deus, por que me abandonastes? Sabia que devia ser o inferno porque estava olhando para as letras em seu peito de cabeça para baixo e, no entanto, como se por um sortilégio do demônio, a palavra era perfeitamente legível." (pg 279).


* "– Medicina, comunicações eletrônicas, viagens espaciais, manipulação genética, estes são os milagres sobre os quais agora falamos às nossas crianças. Estes são os milagres que alardeamos como prova de que a ciência nos trará as respostas. As histórias antigas de concepções imaculadas e mares que se abrem não são mais relevantes. Deus ficou obsoleto. A ciência venceu a batalha. Nós nos rendemos. Um rumor de confusão e perplexidade agitou a capela.
– Mas a vitória da ciência – o camerlengo acrescentou, a voz se intensificando – nos custou caro. Custou muito caro para cada um de nós.
Silêncio.
– A ciência pode ter aliviado os sofrimentos das doenças e dos trabalhos enfadonhos e fatigantes, pode ter proporcionado uma série de aparelhos engenhosos para nossa conveniência e distração, mas deixou-nos em um mundo sem deslumbramento. Nossos crepúsculos foram reduzidos a comprimentos de ondas e freqüências. As complexidades do universo foram desmembradas em equações matemáticas. Até o nosso amor-próprio de seres humanos foi destruído. A ciência proclama que o planeta Terra e seus habitantes são um cisco insignificante no grande plano. Um acidente cósmico – e aqui o camerlengo fez uma pausa. – Até a tecnologia que promete nos unir, ao contrário, só nos divide. Cada um de nós está hoje eletronicamente conectado ao globo inteiro e, entretanto, todos nos sentimos sós. Somos bombardeados pela violência, pela divisão, pela desintegração e pela traição. O ceticismo passou a ser uma virtude. O cinismo e a exigência de provas para tudo converteram-se em pensamento esclarecido. Alguém ainda se admira que as pessoas hoje se sintam mais deprimidas e derrotadas do que em qualquer outra ocasião da história do homem? Será que existe alguma coisa que a ciência considere sagrada? A ciência procura respostas usando fetos não-nascidos como material de pesquisa. A ciência até se atreve a reorganizar nosso DNA. Despedaça o mundo de Deus em parcelas cada vez menores em busca de significados e só encontra mais perguntas.
Mortati assistia a tudo cheio de assombro. O camerlengo falava de modo quase hipnótico agora. Possuía um vigor físico nos movimentos e na voz que Mortati jamais presenciara em um altar do Vaticano. Suas palavras vinham impregnadas de convicção e de tristeza.
– A velha guerra entre a ciência e a religião está encerrada – disse o camerlengo. – Vocês venceram. Mas não venceram honestamente. Não venceram fornecendo respostas. Venceram redirecionando nossa sociedade de modo tão radical que as verdades que outrora víamos como diretrizes agora parecem inaplicáveis. A religião não tem capacidade para acompanhar isto. O crescimento científico é exponencial. Alimenta-se de si mesmo como um vírus. Cada novo avanço abre caminho para outros novos avanços. A humanidade levou milhares de anos para evoluir da roda para o carro. E apenas décadas do carro para o espaço. Atualmente, calculamos por semana o progresso científico. Estamos girando fora de controle. O abismo entre nós se aprofunda sem parar e, à medida que a religião vai ficando para trás, as pessoas se vêem em um vazio espiritual. Imploramos pelo sentido das coisas. E, acreditem, imploramos de fato. Vemos OVNIS, freqüentamos médiuns, buscamos contato com os espíritos, experiências extracorpóreas, uso do poder mental – todas essas idéias excêntricas têm um verniz científico, mas são descaradamente irracionais. São o grito desesperado da alma moderna, solitária e atormentada, deformada por seu próprio esclarecimento e por sua incapacidade de aceitar que haja sentido em qualquer coisa que seja estranha à tecnologia.
Mortati reparou que, involuntariamente, se inclinara para a frente em seu assento. Ele, os outros cardeais e gente do mundo inteiro estavam presos a cada palavra daquele padre. O camerlengo falava sem empregar qualquer retórica ou virulência. Não fazia referências à Bíblia ou a Jesus Cristo. Usava termos modernos, sem enfeites, despojados. De certa forma, como se as palavras fluíssem do próprio Deus, ele utilizava uma linguagem moderna para transmitir a mensagem antiga. Naquela hora, Mortati entendeu uma das razões por que o falecido Papa apreciava tanto aquele moço. Em um mundo de apatia, cinismo e deificação tecnológica, homens como o camerlengo, realistas que sabiam falar às nossas almas como ele acabara de fazer, eram a única esperança da Igreja.
O tom do camerlengo ficou mais veemente.
– A ciência, dizem vocês, vai nos salvar. A ciência, digo eu, nos destruiu. Desde o tempo de Galileu, a Igreja vem tentando diminuir o ritmo da marcha implacável da ciência, às vezes por meios equivocados, mas sempre com intenções benéficas. Ainda assim, as tentações são grandes demais para o homem resistir. Previno-os, olhem em torno de si. As promessas da ciência não foram mantidas. As promessas de eficiência e simplicidade resultaram somente em poluição e caos. Somos uma espécie despedaçada e frenética, seguindo um caminho que leva à destruição.
O camerlengo fez uma pausa prolongada e então olhou para a câmera com uma expressão penetrante.
– Quem é esse deus-ciência? Quem é esse deus que oferece poder a seu povo, mas nenhuma estrutura moral para lhe dizer como usar este poder? Que tipo de deus dá fogo a uma criança, mas não a avisa sobre seus perigos? A linguagem da ciência não vem com diretrizes sobre o bem e o mal. Os livros científicos explicam-nos como criar uma reação nuclear, mas não têm nenhum capítulo discutindo se é uma boa ou má idéia.
– À ciência, quero dizer o seguinte: a Igreja está cansada. Estamos exaustos de tanto tentar ser uma diretriz para o mundo. Nossos recursos estão esgotados por sermos a voz do equilíbrio enquanto vocês se atiram de cabeça em sua busca por chips menores e lucros maiores. Nem perguntamos por que vocês não se controlam, pois como poderiam? Seu mundo anda tão depressa que, se pararem por um instante que seja para refletir sobre as implicações de seus atos, alguém mais eficiente pode ultrapassá-los em um piscar de olhos. Por isso, vocês vão em frente. Promovem o aumento das armas de destruição em massa, mas é o Papa quem tem de viajar pelo mundo suplicando aos líderes que tenham prudência. Clonam criaturas vivas, mas é a Igreja que tem de lembrar a necessidade de considerarmos as implicações morais de nossos atos. Incentivam as pessoas a interagir através de telefones, telas de vídeo e computadores, mas é a Igreja que abre suas portas e nos lembra de comungar aqui, no mundo real, que é como se deve fazer. Vocês até matam bebês que ainda não nasceram em nome de pesquisas que salvarão vidas. Mais uma vez, cabe à Igreja comprovar a falácia de tal raciocínio.
– E, o tempo todo, vocês proclamam que a Igreja é ignorante. Quem é mais ignorante, porém? O homem que não sabe definir o raio que cai durante um temporal ou o que não respeita seu poder admirável? Esta igreja está tentando chegar a vocês. Está tentando chegar a todas as pessoas. E, todavia, quanto mais tentamos, mais vocês nos repelem. Mostrem-nos uma prova da existência de Deus, dizem vocês. E eu respondo, usem seus telescópios para olhar o céu e me digam como é possível não haver um Deus! – O camerlengo tinha lágrimas nos olhos. – Vocês perguntam com que Deus se parece, e eu, por minha vez, pergunto também: de onde vem essa pergunta? A resposta é uma só, a resposta é a mesma. Não vêem Deus em sua ciência? Como podem deixar de vê-Lo! Vocês proclamam que a menor alteração na força da gravidade ou no peso de um átomo teria convertido nosso universo em uma névoa sem vida em vez do magnífico mar de corpos celestes que contemplamos, e ainda assim deixam de ver a mão de Deus nisso? Será que é mesmo tão mais fácil acreditar que escolhemos a carta certa em um baralho em que há bilhões delas? Será que estamos tão falidos espiritualmente que preferimos acreditar numa impossibilidade matemática e não em um poder maior do que nós?
– Se vocês acreditam em Deus ou não – disse o camerlengo, a voz mais grave e carregada de deliberação –, têm de acreditar nisto: quando nós, como espécie, abandonamos a confiança em um poder maior do que nós, abandonamos também nossa noção da obrigatoriedade de prestar contas. A fé, todas as formas de fé, são advertências de que existe algo que não podemos compreender, algo a que temos de responder. Com fé, prestamos contas uns aos outros, a nós mesmos e a uma verdade maior. A religião é falha, mas só porque o homem é falho. Se o mundo exterior pudesse ver esta igreja como eu vejo, além do ritual de dentro dessas paredes, veria um milagre moderno, uma fraternidade de almas imperfeitas e simples, querendo apenas ser uma voz de compaixão em um mundo do qual se está perdendo o controle.
O camerlengo fez um gesto para o Colégio dos Cardeais e a cinegrafista da BBC instintivamente o acompanhou, focalizando a multidão de cardeais.
– Somos mesmo obsoletos? – perguntou o camerlengo? – Será que esses homens são mesmo dinossauros? Será que eu também sou? Será que o mundo realmente precisa de uma voz para os pobres, os fracos, os oprimidos, para as crianças que ainda não nasceram? Será que realmente precisamos de almas como essas que, apesar de imperfeitas, passam a vida nos implorando para seguirmos as diretrizes da moralidade e não nos extraviarmos de nosso caminho?
Mortati percebeu que o camerlengo, conscientemente ou não, estava realizando uma brilhante manobra. Ao mostrar os cardeais, estava personalizando a Igreja. A Cidade do Vaticano não era mais uma construção, era feita de gente – gente como o camerlengo, que passara a vida a serviço do bem.
– Esta noite, estamos à beira de um precipício – disse o camerlengo.
– Nenhum de nós pode se dar ao luxo da indiferença. Quer encarem toda essa maldade como Satã, corrupção ou imoralidade, o fato é que as forças do mal estão vivas e crescendo a cada dia. Não as ignorem. – O camerlengo baixou a voz a um sussurro e a câmera se aproximou. – As forças são poderosas, mas não são invencíveis. O bem pode prevalecer. Ouçam a voz de seus corações. Ouçam a voz de Deus. Juntos, podemos recuar deste abismo.
E Mortati enfim compreendeu. Aquela era a razão. O conclave fora violado, mas era o único jeito. O camerlengo fizera um dramático e desesperado pedido de ajuda. Dirigira-se não só a seu inimigo como também a seus amigos. Estava rogando a todos, amigos ou inimigos, que compreendessem e parassem com aquela loucura. Com certeza, alguém que estivesse escutando perceberia a insanidade daquela trama e tomaria uma atitude.
O camerlengo ajoelhou-se no altar.
– Rezem comigo.
O Colégio dos Cardeais caiu de joelhos para unir-se ao camerlengo em uma prece. Lá fora, na Praça de São Pedro e em todos os países, o mundo aturdido ajoelhou-se junto com eles." [Fala do Camerlengo] (pg 287).


* "Langdon examinou a escuridão tentando distinguir algum outro vestígio de claridade, mas a borda do ataúde ajustava-se perfeitamente ao chão. Esses desgraçados desses italianos perfeccionistas, praguejou ele; agora estava em perigo por causa da mesma excelência artística que ensinava seus alunos a reverenciar: acabamentos impecáveis, paralelos perfeitos e, claro, só o mármore de Carrara mais resistente e sem falhas.
A precisão às vezes pode ser sufocante." (pg 289).


* "– Sarcófago – enunciou em voz alta, com o máximo de esterilidade acadêmica que conseguiu arranjar. No entanto, até a erudição parecia estar contra ele. Sarcófago vem do grego sarx, significando carne, e phagein, que quer dizer “comer. Estou preso em uma caixa literalmente criada para 'comer carne'." (pg 289).


* "'Cross Rome the mystic elements unfold! Um astuto jogo de palavras. Langdon lera a palavra cross – cruz – como uma abreviatura de across – através. Presumiu que se tratasse de uma licença poética para manter a métrica do poema em inglês. Mas era muito mais do que isso, era outra pista disfarçada!
A forma da cruz no mapa, constatou ele, era a extrema dualidade Illuminati, um símbolo religioso formado por elementos da ciência. O Caminho da Iluminação de Galileu era um tributo tanto à ciência quanto a Deus!" (pg 300).


* "Espantado por ainda encontrar vida nos olhos do homem, Langdon estende as mãos para baixo e segurou com força as correntes, tentando levantá-lo até a superfície. O corpo movimentou-se devagar, como uma âncora. Langdon puxou com mais força. Quando a cabeça do cardeal irrompeu da água, ele aspirou o ar umas poucas vezes, desesperado. Então, com grande ímpeto, o corpo girou, o que fez com que Langdon perdesse a pega da corrente escorregadia. Como uma pedra, Baggia foi de novo para o fundo e desapareceu por baixo da espuma da água.
Langdon mergulhou, olhos abertos na água turva. Encontrou o cardeal. Dessa vez, quando Langdon o agarrou, as correntes na altura do peito de Baggia deslocaram-se e revelaram mais uma crueldade: a palavra marcada em sua carne com ferro em brasa. 
Uma fração de segundo depois, Langdon avistou duas botas. De uma delas, jorrava sangue." (pg 309).


* "Libertando-se de todo medo e dúvida, abriu a boca e expeliu o que seria o último sopro de sua vida. Observou seu próprio espírito gorgolejar na direção do céu em um jorro de bolhas de ar transparentes. Então, em uma reação involuntária, respirou. A água penetrou como finos punhais de gelo em seus flancos. A dor durou apenas alguns segundos.
Depois, veio a paz.
O Hassassin ignorava o pé que doía, concentrado apenas em afogar o americano, que agora mantinha imobilizado sob o peso do seu corpo, no meio da água turbulenta. Destruí-lo por completo. Apertou com mais força ainda, sabendo que desta vez Robert Langdon não sobreviveria. Conforme havia previsto, sua vítima mostrava cada vez menos reação.
De repente, o corpo de Langdon ficou rígido. Começou a tremer loucamente. Sim, pensou o Hassassin. Os tremores. Quando a água afinal chega aos pulmões. Os tremores, sabia, iriam durar uns cinco segundos.
Duraram seis.
Então, exatamente como o Hassassin havia calculado, o corpo da vítima de repente ficou flácido. Como um imenso balão que perdesse o ar, Robert Langdon
relaxou. Estava morto. O Hassassin ainda o segurou por mais uns trinta segundos, para que a água inundasse todo o tecido pulmonar. Aos poucos, sentiu que o corpo de Langdon afundava por conta própria. Afinal, o Hassassin o soltou.
A imprensa encontraria uma dupla surpresa na Fonte dos Quatro Rios.
Tabban!, praguejou o Hassassin, saindo da fonte e examinando o dedo do pé que sangrava sem parar. A ponta da bota estava arrebentada e a extremidade do dedo grande havia sido arrancada. Furioso consigo mesmo pelo descuido, rasgou a bainha da calça e enfiou o tecido pelo buraco da bota, comprimindo-o contra a ferida. A dor subiu-lhe pela perna. Ibn al-kalb! Cerrou os punhos de dor e empurrou o pano com mais força. O sangramento foi diminuindo até restar apenas um filete de sangue.
Tirando seus pensamentos da dor e voltando-os para o prazer, o Hassassin entrou no furgão. O trabalho em Roma estava terminado. Sabia muito bem o que lhe aliviaria o incômodo. Vittoria Vetra estava amarrada e à sua espera. O Hassassin, mesmo com frio e ensopado, sentiu-se sexualmente excitado.
Fiz por onde merecer meu prêmio." (pg 313).


* "Robert Langdon jazia deitado sobre uma camada de moedas no fundo da Fonte dos Quatro Rios, a mangueira de plástico ainda na boca. O ar que era bombeado através do tubo dos spumanti para fazer a fonte borbulhar vinha poluído e sua garganta ardia. Não podia reclamar, porém. Afinal, estava vivo.
Não tinha certeza se sua imitação de um afogado fora convincente, mas, tendo passado a vida inteira em contato com a água, Langdon já ouvira muitas descrições de afogamentos. Fizera o melhor que podia. Quase no final, teve de expirar todo o ar dos pulmões e parar de respirar para que a massa muscular levasse seu corpo para o fundo." (pg 314).


* "Langdon teve a sensação de estar delirando ao cruzar o aposento. Em meio à bruma de insanidade e violência, ele tentava entender o que estava presenciando. Um cientista aleijado, num gesto final de autoridade simbólica, voara até a Cidade do Vaticano para marcar a fogo o personagem mais eminente da Igreja. Há coisas pelas quais vale a pena morrer, dissera o Hassassin. Langdon se perguntava como um deficiente físico poderia ter dominado o camerlengo. Mas Kohler estava armado. Não importava como o fizera! Kohler cumprira sua missão!
Langdon aproximou-se da cena medonha. O camerlengo já estava sendo assistido e Langdon foi atraído pelo ferro fumegante caído perto da cadeira de Kohler. A sexta marca? Quanto mais olhava, menos compreendia. A marca parecia ser um quadrado perfeito, bastante grande e seguramente viera do sagrado compartimento central da arca que estava no refúgio dos Illuminati. A sexta marca, dissera o Hassassin. A mais brilhante de todas.
Langdon ajoelhou-se ao lado de Kohler e estendeu a mão para pegar o objeto. O metal ainda irradiava calor. Segurou o cabo de madeira e levantou-o. Não sabia o que esperava ver, mas decerto não era isso.


Olhou fixamente para a peça durante um longo e confuso momento. Nada fazia sentido. Por que os guardas tinham gritado, apavorados, ao ver a marca? Era um quadrado de rabiscos incompreensíveis. A mais brilhante de todas? Era simétrica, dava para notar ao girá-la na mão, mas era um deboche.
Ao sentir a mão de alguém em seu ombro, Langdon ergueu a cabeça, pensando que era Vittoria. A mão, porém, estava coberta de sangue. Pertencia a Maximilian Kohler, que a estendia de sua cadeira de rodas.
Langdon deixou cair o ferro de marcar e levantou-se apressadamente. Kohler ainda estava vivo!" (pg 345).


* "À medida que aumentava o caos na praça, uma velha citação dos Illuminati ecoou em sua mente com um novo significado: “Um diamante sem jaça, nascido dos antigos elementos com tamanha perfeição, que todos os que o viam ficavam extasiados.” Agora sabia que o mito era verdadeiro.
Terra, Ar, Fogo, Água.
O diamante Illuminati." (pg 350).


* " -'Sobre esta pedra edificarei minha igreja!' " (pg 352).


*"Necrópole significa literalmente 'cidade dos mortos'." (pg 360).


* "– Mas deve haver algum lugar para onde possamos ir!
 Para cima – respondeu o camerlengo, a voz resignada. – É a única alternativa garantida.
Langdon mal conseguia pensar. Interpretara de modo completamente errado o plano do camerlengo. Olhe para o céu!
O céu, só agora entendia, era literalmente para onde estavam indo, O camerlengo nunca tivera a intenção de lançar fora a antimatéria. Estava simplesmente se afastando o máximo possível da Cidade do Vaticano.
Aquela era uma viagem sem volta." (pg 367).


* "Robert Langdon não estava mais caindo.
Acabara-se o pavor. E a dor. E o som sibilante do vento. Havia apenas o barulho suave da água, como se ele estivesse confortavelmente dormindo em uma praia.
Num paradoxo de autoconsciência, Langdon pressentiu que aquilo era a morte. Ficou contente. Deixou-se levar pelo entorpecimento que tomava conta dele. Deixou que o levasse para onde tivesse de ir. Sua dor e seu medo tinham sido anestesiados e ele não os queria de volta de jeito nenhum. A última lembrança que tinha só poderia ter sido conjurada no inferno.
– Leve-me. Por favor...
Mas o barulho da água que o acalentava com uma longínqua sensação de paz também estava trazendo-o de volta. Tentava despertá-lo de um sonho. Não! Deixe-me! Ele não queria acordar. Entrevia demônios que o aguardavam nas fronteiras de sua bem-aventurança, insistindo em despedaçar sua beatitude. Imagens imprecisas giravam. Vozes gritavam. O vento agitava tudo. Não, por favor! Quanto mais lutava, mais a fúria se infiltrava através de sua consciência.
Então, duramente, reviveu tudo..." (pg 371).


* "O helicóptero prosseguia em sua subida vertiginosa. Ele estava preso lá dentro. Pela porta aberta via as luzes de Roma distanciando-se mais a cada segundo. Seu instinto de sobrevivência dizia-lhe para lançar fora o cilindro imediatamente. Langdon sabia que levaria menos de 20 segundos para o tubo cair uns 800 metros. Só que cairia em uma cidade cheia de gente.
Mais alto! Mais alto!
Calculava a que altura estariam. Jatos pequenos costumavam voar a altitudes de cerca de seis mil metros. Aquele helicóptero já devia estar a uma boa parcela disto. Três mil metros? Quatro? Ainda havia uma chance. Se calculasse a queda perfeitamente, o tubo cairia só parte do caminho para a terra e explodiria a uma distância segura acima do solo e longe do helicóptero. Langdon olhou para a cidade que se espalhava lá embaixo.
– E se você calcular errado? – disse o camerlengo.
Langdon espantou-se. O camerlengo nem estava olhando para ele e provavelmente lera seus pensamentos vendo seu reflexo esbranquiçado no pára-brisa. Estranhamente, o camerlengo não estava mais ocupado com os controles. Suas mãos nem seguravam mais o manete. O helicóptero devia estar funcionando com o piloto automático, subindo sempre. O camerlengo levantou a mão para o teto da cabine e tirou de um compartimento de cabos uma chave, presa ali fora da vista.
Langdon viu desnorteado o camerlengo destrancar rapidamente a caixa metálica instalada entre os assentos. Tirou de lá um grande embrulho de náilon preto, que colocou no assento a seu lado. As idéias de Langdon se embaralharam. Os movimentos do camerlengo eram calmos e deliberados, como se ele já tivesse uma solução.
– Passe o cilindro para mim – disse, com um tom de voz sereno.
Langdon não sabia mais o que pensar. Entregou o cilindro.
– Noventa segundos!
O que o camerlengo fez com a antimatéria pegou Langdon completamente de surpresa. Segurando o cilindro com cuidado, ele o colocou dentro da caixa metálica. Depois, fechou a tampa pesada e trancou-a.
– O que está fazendo?! – perguntou Langdon.
– Afastando de nós a tentação – e jogou a chave pela janela aberta.
A chave mergulhou na escuridão da noite e Langdon sentiu sua alma caindo junto.
O camerlengo então pegou o embrulho de náilon e enfiou os braços nas alças. Fechou a presilha de uma outra tira que lhe envolveu o estômago e ajustou tudo como se fosse uma mochila. Finalmente, disse a um estupefato Robert Langdon:
– Sinto muito. Não era para acontecer desta maneira.
Em seguida, abriu a porta e atirou-se no espaço.
A imagem queimava no inconsciente de Langdon e com ela vinha a dor. Dor de verdade. Dor física. Atormentando-o. Penetrante. Ele suplicou que fosse levado para que a dor terminasse, mas, com o som da água mais alto em seus ouvidos, novas imagens relampejavam em sua cabeça. O inferno apenas começara. Via pedaços dele, cenas esparsas de puro pânico. Encontrava-se entre a morte e o pesadelo, implorando para ser libertado, mas as imagens ficavam mais nítidas em sua mente.
O tubo de antimatéria estava trancado e inacessível. A contagem de seu relógio diminuía ao mesmo tempo que o helicóptero aumentava a altitude. Cinqüenta segundos. Mais alto. Mais alto. Langdon agitava-se loucamente dentro da cabine, tentando compreender o que acabara de presenciar. Quarenta e cinco segundos. Procurou outro pára-quedas debaixo dos assentos. Quarenta segundos. Não havia mais nenhum! Trinta e cinco segundos. Foi para a porta aberta do helicóptero, exposto ao vento furioso, e olhou para as luzes de Roma embaixo. Trinta e dois segundos.
Então, tomou sua decisão.
A incrível decisão." (pg 372).


* "Sem pára-quedas, Robert Langdon pulou do helicóptero. À medida que a noite engolia seu corpo, tinha a impressão de que o helicóptero subia como um foguete acima dele, o som de seus rotores dissipando-se no ruído ensurdecedor de sua própria queda livre.
Na descida a prumo para terra, Langdon sentiu algo que não vivenciava desde o tempo em que praticava salto de plataforma – a inexorável atração da gravidade durante um mergulho. Quanto mais rápido caía, mais a terra parecia puxá-lo, sugá-lo. Desta vez, porém, o mergulho não era de 15 metros dentro de uma piscina, mas de milhares de metros em uma cidade – uma extensão infindável de concreto e asfalto.
Em meio ao vento e ao desespero, a voz de Kohler ecoava do túmulo com as palavras que ele dissera naquela mesma tarde junto ao túnel de queda livre do CERN: Um metro quadrado de algo que ofereça resistência ao ar retarda a queda de um corpo em quase 20 por cento. Vinte por cento, Langdon constatava, nem chegava perto do que seria necessário para alguém sobreviver a uma queda como aquela. De qualquer modo, mais por inércia do que por esperança, apertou nas mãos com força a única coisa que agarrara ao pular do helicóptero. Era uma lembrança esquisita, mas que por um instante fugaz dera-lhe alguma esperança.
A lona protetora do pára-brisa estava jogada na traseira do aparelho. Era um retângulo que se amoldava à forma côncava do pára-brisa do helicóptero – de uns quatro metros por dois – semelhante a um grande lençol, o mais tosca– mente parecido com um pára– quedas que se possa imaginar. Não tinha arneses, só alças elásticas em cada extremidade para ajustá-lo à curvatura do vidro. Langdon pegara a lona, enfiara as mãos nas alças e saltara no vazio.
Seu último grande gesto de desafio juvenil.
Não tinha mais ilusões sobre a vida além daquele momento.
Langdon caía como uma pedra. Pés primeiro. Braços esticados para cima. Mãos agarradas nas alças. A lona ondulava acima de sua cabeça com o formato de um cogumelo. O vento se deslocava com grande velocidade em torno dele.
Durante a queda, deu-se a explosão no alto. Mais longe do que ele esperava. Quase instantaneamente a onda de choque atingiu-o. O impacto comprimiu seus pulmões. Um calor repentino espalhou-se pelo ar em torno dele. Langdon lutou para não largar a lona. Uma parede quente veio de cima para baixo. O topo da lona começou a arder, mas não se rompeu.
Langdon descia a toda a velocidade, no limiar de um véu ondulante de luz, sentindo-se como um surfista que tenta sair da frente de uma onda de quilômetros de altura. De repente, porém, o calor retrocedeu e ele voltou a mergulhar na fria escuridão.
Por um instante, teve esperança. No momento seguinte, entretanto, a esperança se foi, tal e qual a onda de calor. Apesar de seus braços estendidos garantirem-lhe que a lona desacelerava sua queda, o vento ainda passava por seu corpo com uma velocidade espantosa. Ele não tinha qualquer dúvida de que estivesse indo depressa demais para sobreviver à queda. Seria esmagado quando batesse no chão.
Cálculos matemáticos embaralhavam-se em sua cabeça, ele estava entorpecido demais para organizá-los – um metro quadrado de algo que ofereça resistência ao ar... quase 20 por cento de redução de velocidade. O máximo que conseguia raciocinar é que a lona acima de sua cabeça era grande o bastante para retardá-lo mais do que 20 por cento. Infelizmente, pela velocidade do vento, ele deduzia que a lona não bastava, por melhor que fosse. Estava caindo depressa demais, não sobreviveria ao impacto no mar de concreto que o esperava.
Lá embaixo, as luzes de Roma espalhavam-se para todos os lados. A cidade parecia um enorme céu estrelado no qual Langdon iria cair, só interrompido por uma faixa escura que dividia a cidade em dois – uma fita larga e não iluminada que serpenteava por entre os pontos de luz como uma cobra gorda. Langdon olhou para os meandros escuros ao longe.
E, como a crista de uma onda inesperada, surgiu outra vez uma esperança.
Com um vigor quase maníaco, Langdon deu puxões fortes na lona com a mão direita. A lona agitou-se mais, ondulando, procurando o ponto à direita, de menor resistência. Langdon sentiu-se deslizar de lado. Puxou de novo, com mais força, sem fazer caso da dor na palma de sua mão. A lona inflou-se e Langdon notou que seu corpo voava para o lado. Não muito. Mas um pouco! Olhou de novo para baixo, para a sinuosa serpente negra. Ficava bem para a direita, mas ele ainda estava bastante alto. Será que tinha esperado demais? Puxou com toda a força que pôde e daí em diante aceitou que estava nas mãos de Deus. Concentrou-se na parte mais larga da serpente e, pela primeira vez em sua vida, rezou por um milagre.
O resto não passou de uma lembrança nebulosa.
A escuridão se fechando por cima dele, os reflexos do mergulhador voltando, o instintivo posicionamento da coluna e das pontas dos pés, os pulmões se inflando para proteger os órgãos vitais, as pernas flexionando-se para funcionar como um aríete e, finalmente, a gratidão pelo ondulante rio Tibre estar cheio e revolto, o que tornava suas águas espumantes e cheias de ar três vezes mais macias do que a água parada.
Depois houve o impacto e as trevas." (pg 373).


* "Foi o barulho trovejante da lona batendo que fez o grupo tirar os olhos da bola de fogo no alto. O céu de Roma estivera cheio de visões naquela noite: um helicóptero subindo em linha reta como um foguete, uma enorme explosão e agora aquele estranho objeto que mergulhara nas águas agitadas do rio Tibre, ao largo da pequenina ilha que havia no rio, a Isola Tiberina.
Desde o tempo em que a ilha fora usada para manter doentes de quarentena durante a praga que assolou Roma em 1656, dizia-se que possuía propriedades curativas místicas. Por esta razão, mais tarde fora ali instalado o Hospital Tiberina de Roma.
O corpo estava bastante machucado quando foi puxado para a margem. O homem ainda tinha uma leve pulsação, o que era espantoso, pensaram. Especularam se não teria sido a lendária reputação da Isola Tiberina para a cura que de alguma forma teria mantido o coração dele batendo. Minutos depois, quando o homem começou a tossir e a lentamente recuperar a consciência, o grupo concluiu que a ilha devia ser mesmo mágica." (pg 374).


* "O doutor Jacobus não era um homem religioso. A medicina fizera-o deixar de ser já fazia muito tempo. Contudo, os acontecimentos daquela noite na Cidade do Vaticano tinham posto em teste sua lógica sistemática. Agora caem corpos do céu?
O doutor Jacobus tomou o pulso do homem sujo e molhado que tinham retirado do rio Tibre. O médico admitiu que o próprio Deus entregara em mãos e em segurança aquele homem. O impacto com a água pusera-o inconsciente e, se não fosse Jacobus e sua equipe estarem na beira do rio assistindo ao espetáculo no céu, essa alma caída não teria sido notada e com certeza teria se afogado." (pg 376).


* "– É a vontade de Deus! – alguém gritava, a voz ecoando na Capela Sistina.
– Quem mais além do escolhido poderia ter sobrevivido àquela explosão diabólica?
– Eu – uma voz reverberou do fundo da capela.
Mortati e os outros viraram-se espantados para a figura maltratada que se aproximava pelo centro da nave.
– Senhor Langdon?!
Sem uma palavra, Langdon encaminhou-se devagar para a frente da capela. Vittoria Vetra entrou também. Logo depois, dois guardas surgiram apressados empurrando um carrinho com uma grande televisão em cima. Langdon esperou enquanto eles ligavam o aparelho, a tela voltada para os cardeais. Então, Langdon fez sinal para que os guardas se retirassem. Eles o fizeram, fechando as portas atrás de si. Agora era entre Langdon, Vittoria e os cardeais. Langdon conectou a câmera Sony à televisão e apertou o botão play.
A tela se acendeu.
A cena que se materializou diante dos cardeais passava-se no escritório do Papa. O vídeo fora filmado de forma desajeitada, como se a câmera estivesse escondida. Descentrado na tela, o camerlengo aparecia meio na penumbra, em frente à lareira acesa. Embora parecesse estar falando diretamente para a câmera, logo ficou evidente que estava falando com alguém – a pessoa que filmava. Langdon disse aos cardeais que o vídeo fora filmado por Maximilian Kohler, o diretor do CERN. Apenas uma hora antes, Kohler filmara secretamente seu encontro com o camerlengo usando a minúscula câmera de vídeo que trazia disfarçada sob um dos braços de sua cadeira de rodas.
Mortati e os cardeais assistiam a tudo perplexos. A conversa já começara, mas Langdon não se deu ao trabalho de rebobinar a fita. O que ele queria que os cardeais vissem ainda estava por vir.


– Leonardo Vetra mantinha um diário? – dizia o camerlengo. – Imagino que isso seja uma boa notícia para o CERN. Se os diários contêm seus processos para criar antimatéria...
– Não contêm – disse Kohler. – Vai ser um alívio para o senhor saber que esses processos morreram com Leonardo. No entanto, os diários falam de um assunto diferente. Do senhor.
O camerlengo pareceu perturbar-se.
– Não compreendo.
– Descrevem um encontro que Leonardo teve no mês passado. Com o senhor.
O camerlengo hesitou, depois olhou para a porta.
– Rocher não deveria ter autorizado sua entrada sem me consultar. Como chegou aqui?
– Rocher sabe da verdade. Telefonei antes de vir e contei a ele o que o senhor fez.
– O que eu fiz? Seja qual for a história que contou a ele, Rocher é da Guarda Suíça e fiel demais a esta Igreja, não acreditaria mais em um cientista amargo do que em seu camerlengo.
– Na realidade, ele é fiel demais para não acreditar. É tão fiel que, apesar da prova de que um dos seus leais guardas traiu a Igreja, ele se recusou a aceitar o fato. O dia inteiro vem procurando outra explicação.
– Que o senhor deu a ele.
– A verdade. Por mais chocante que fosse.
– Se Rocher tivesse acreditado no senhor, teria me prendido.
– Não. Eu não deixei. Ofereci a ele o meu silêncio em troca deste encontro.
O camerlengo deu uma risada estranha.
– O senhor pretende chantagear a Igreja com uma história em que ninguém vai acreditar?
– Não preciso fazer chantagem nenhuma. Quero simplesmente ouvir a verdade de sua boca. Leonardo Vetra era meu amigo.
O camerlengo nada disse. Limitou-se a olhar para Kohler.
– Vejamos, então – começou Kohler, áspero. – Há cerca de um mês, Leonardo Vetra entrou em contato com o senhor solicitando uma audiência urgente com o Papa. Uma audiência que o senhor concedeu porque o Papa admirava o trabalho de Leonardo e porque Leonardo disse que era uma emergência.
O camerlengo voltou-se para o fogo da lareira. Não disse nada.
– Leonardo veio ao Vaticano em absoluto segredo. Estava traindo a confiança de sua filha ao vir aqui, um fato que o perturbava grandemente, mas ele achava que não tinha opção. Suas pesquisas haviam criado um profundo conflito em seu íntimo e ele sentia necessidade de orientação espiritual da Igreja. Em um encontro particular, contou ao Papa que havia feito uma descoberta científica com profundas implicações religiosas. Havia provado que o Gênese era fisicamente possível e que intensas fontes de energia, que Vetra chamava de Deus, poderiam reproduzir o momento da Criação.
Silêncio.
– O Papa ficou entusiasmado – Kohler continuou. – Queria que Leonardo divulgasse a experiência. Sua Santidade achava que essa descoberta poderia começar a aproximar a ciência da religião, um dos sonhos da vida do Papa. Então, Leonardo explicou ao senhor o aspecto negativo da descoberta, o motivo pelo qual ele solicitara a orientação da Igreja. Parecia que sua experiência da Criação, exatamente como a Bíblia relata, produzia tudo aos pares. Opostos. Luz e trevas. Além do processo de criação da matéria, Vetra descobriu o da criação da antimatéria. Devo prosseguir?
O camerlengo manteve-se calado. Inclinou-se para atiçar as brasas da lareira.
– Depois que Leonardo Vetra veio aqui – disse Kohler –, o senhor foi ao CERN ver o trabalho dele. Os diários de Leonardo dizem que o senhor fez uma visita pessoal ao laboratório dele.
O camerlengo levantou a cabeça.
Kohler foi em frente.
– O Papa não poderia viajar sem atrair a atenção da mídia, por isso mandou o senhor. Leonardo levou-o para uma excursão secreta pelo laboratório. Fez uma demonstração de aniquilamento de antimatéria, o Big-Bang, o poder da Criação. Também lhe mostrou um grande espécime que mantinha escondido e que provava que seu novo método poderia produzir antimatéria em larga escala. O senhor ficou assombrado. Voltou para a Cidade do Vaticano para contar ao Papa o que tinha presenciado.
O camerlengo suspirou.
– E é isso que o incomoda? Que eu tenha respeitado a confiança de Leonardo ao fingir perante o mundo esta noite que nada sabia sobre a antimatéria?
– Não! O que me incomoda é que Leonardo Vetra praticamente provou a existência de seu Deus e o senhor fez com que ele fosse assassinado!
O camerlengo voltou-se para ele afinal, o rosto impenetrável.
O único som era o estalar do fogo.
Súbito, a câmera balançou e o braço de Kohler apareceu no enquadramento. Ele se curvou para a frente, tentando alcançar algo preso debaixo de sua cadeira de rodas. Quando endireitou o corpo, segurava uma pistola. O ângulo da câmera era arrepiante: visto por trás, o braço estendido apontava o revólver direto para o camerlengo.
Kohler disse: – Confesse os seus pecados, padre. Agora.
O camerlengo parecia assustado.
– Não vai sair vivo daqui.
– A morte seria um alívio bem-vindo para o sofrimento pelo qual sua religião me faz passar desde que eu era criança – Kohler segurava o revólver com as duas mãos agora. – Estou lhe dando uma chance. Confesse os seus pecados ou morra agora mesmo.
O camerlengo olhou de soslaio para a porta.
– Rocher está lá fora – desafiou-o Kohler. – Ele também está preparado para matá-lo.
– Rocher jurou proteger a Ig...
– Rocher deixou que eu entrasse aqui. Armado. Está enojado com as suas mentiras. O senhor tem uma única opção. Confessar-se a mim. Tenho de ouvir tudo de sua própria boca.
O camerlengo hesitou.
Kohler levantou a arma.
– Realmente duvida que eu vá matá-lo?
– Não importa o que lhe conte – disse o camerlengo – um homem como o senhor nunca entenderia.
– Experimente.
O camerlengo permaneceu imóvel por um instante, uma silhueta dominante em meio à vaga luminosidade do fogo. Quando falou, suas palavras ecoaram com uma dignidade mais apropriada a uma gloriosa narrativa de altruísmo do que a uma confissão.
– Desde o princípio dos tempos – disse o camerlengo –, a Igreja lutou contra os inimigos de Deus. Às vezes com palavras. Outras vezes com espadas. E sempre sobrevivemos.
O camerlengo irradiava convicção.
– Os demônios do passado – continuou ele – eram demônios de fogo e abominação. Esses eram inimigos contra os quais podíamos lutar, inimigos que inspiravam medo. Mas Satã é astuto. Com o passar do tempo, abandonou sua fisionomia diabólica e assumiu uma nova face: a face da pura razão. Transparente e insidiosa, mas também sem alma. – A voz do camerlengo enraiveceu-se de modo inesperado, numa transição quase insana. – Diga-me, senhor Kohler, como pode a Igreja condenar o que faz sentido, o que é lógico para nossas mentes? Como podemos censurar o que hoje é o próprio fundamento de nossa sociedade? Cada vez que a Igreja levanta a voz para fazer uma advertência, vocês gritam mais alto e nos chamam de ignorantes. De paranóicos. De controladores! E assim a sua maldade cresce. Encoberta por um véu de virtuoso intelectualismo. Espalha-se como um câncer. Santificada pelos milagres de sua própria tecnologia. Deificando-se a si mesma! Até se dissipar a nossa desconfiança e passarmos a achar que é pura bondade. A ciência chegou para nos salvar de nossas doenças, de nossa fome e de nosso sofrimento! Eis a ciência, o novo Deus de infinitos milagres, onipotente e benevolente! Ignorem as armas e o caos. Esqueçam a solidão dilacerada e os perigos intermináveis! A ciência está aqui! – O camerlengo deu um passo na direção do revólver. – Mas eu vi o rosto de Satã à espreita, vi o perigo.
– O que é que está dizendo! A ciência de Vetra praticamente provou a existência de seu Deus! Ele era seu aliado!
– Aliado? A ciência e a religião não andam juntas nisso! Não buscamos o mesmo Deus, você e eu! Quem é seu Deus? Um Deus de prótons, massa e cargas de partículas? Como o seu Deus inspira seus fiéis? Como é que o seu Deus chega ao coração do homem para lembrar-lhe que ele é explicável por um poder maior? Ou que ele é responsável por seus semelhantes? Vetra estava desencaminhado. Seu trabalho não era religioso, era sacrílego! O homem não pode colocar a Criação de Deus dentro de um tubo de ensaio e exibi-la para o mundo! Isto não glorifica Deus, isto desmerece Deus!
O camerlengo, a essa altura, apertava o próprio corpo com as mãos em garra, a voz enlouquecida.
– E por isso mandou matar Leonardo Vetra!
– Pela Igreja! Por toda a humanidade! Que loucura era aquela! O homem não está preparado para ter o poder de Deus em suas mãos. Deus em um tubo de ensaio? Uma gotinha de líquido que pode desintegrar uma cidade inteira? Ele tinha de ser detido!
O camerlengo calou-se abruptamente. Parecia estar considerando suas opções.
As mãos de Kohler levantaram o revólver.
– Você confessou. Não tem mais escapatória.
O camerlengo riu um riso triste.
– Então não sabe que confessar os pecados é a forma de escapar? – Olhou para a porta. – Quando Deus está do nosso lado, temos opções que um homem como você não é capaz de compreender.
Com essas palavras ainda ressoando no ar, o camerlengo agarrou a sua batina pela gola e rasgou-a com violência, deixando seu peito nu.
Kohler fez um movimento brusco, obviamente espantado.
– O que está fazendo?
O camerlengo não respondeu. Deu um passo para trás, para junto da lareira, e tirou um objeto das brasas reluzentes. – Pare! – ordenou Kohler, a arma ainda levantada. – O que está fazendo?
Quando o camerlengo se virou, segurava um ferro de marcar em brasa. O diamante Illuminati. O homem tinha uma expressão desvairada.
– Pretendia fazer isto sozinho – falava com uma intensidade selvagem –, mas agora vejo que Deus queria que você estivesse aqui. Você é minha salvação.
Antes que Kohler pudesse esboçar qualquer reação, o camerlengo fechou os olhos, arqueou as costas e comprimiu o ferro em brasa no centro do próprio peito. Sua carne chiou.
– Mãe Maria! Mãe Bendita! Olhe seu filho! – e gritou alto de dor. Kohler surgiu no enquadramento mal se equilibrando nas pernas, o revólver agitando-se descontroladamente.
O camerlengo gritou mais alto, o corpo oscilando. Ele lançou o ferro de marcar aos pés de Kohler e caiu no chão, contorcendo-se em agonia.
O que aconteceu em seguida foi difícil de distinguir.
Houve um grande tremor na imagem da tela quando a Guarda Suíça irrompeu na sala. Ouviu-se o som de tiroteio. Kohler dobrou os braços no peito, foi lançado para trás, sangrando, e caiu da cadeira de rodas.
Não! – gritou Rocher, tentando impedir seus guardas de atirarem em Kohler.
O camerlengo, ainda se contorcendo no chão, girou o corpo e apontou freneticamente para Rocher:
– Illuminatus!
– Canalha! – berrou Rocher, correndo para ele. – Seu canalha santarrão...
Chartrand abateu-o com três tiros. Rocher caiu morto no chão da sala.
Então, os guardas correram para o camerlengo ferido, rodeando-o. Ao mesmo tempo que eles se reuniam, o vídeo pegava o rosto estarrecido de Robert Langdon, ajoelhado perto da cadeira de rodas, olhando para o ferro de marcar. Depois, a imagem sacudiu fortemente. Kohler recuperara a consciência e estava soltando a pequenina câmera do suporte localizado debaixo do braço de sua cadeira. Em seguida, tentava estender a mão com a câmera para Langdon.
– Ent...tregue... – arquejou Kohler –, en...tregue isto... à imprensa.
E a tela ficou branca." (pg 388).


* "O camerlengo começou a sentir a névoa de exaltação e de adrenalina se dissipar. Enquanto a Guarda Suíça o ajudava a descer a Escadaria Real para ir para a Capela Sistina, o camerlengo escutou cânticos na Praça de São Pedro e soube que montanhas haviam sido removidas. 
– Grazie Dio.
Ele rezara pedindo forças e Deus as concedera. Nos momentos em que duvidara, Deus falara. Tua missão é Santa, Deus dissera. Dar-te-ei forças. Mesmo com a força de Deus, o camerlengo sentira medo, questionara a correção de seu caminho.
– Se não fores tu, Deus o desafiara, QUEM o fará?
– Se não for agora, QUANDO será?
– Se não for assim, COMO será?" (pg 388).


* "O camerlengo Carlo Ventresca parou entre as fileiras de cadeiras, no meio da Capela Sistina. Os cardeais estavam todos de pé, próximos da frente da igreja, olhando para ele. Robert Langdon estava no altar ao lado de uma televisão ligada, onde se desenrolava uma cena que o camerlengo reconhecia mas não podia imaginar como fora parar ali. Vittoria Vetra encontrava-se junto de Langdon, o rosto tenso.
O camerlengo fechou os olhos por um momento, esperando que tudo fosse uma alucinação causada pela morfina e que, quando os reabrisse, a cena pudesse ser diferente. Mas não era.
Eles sabiam." (pg 390).


* "– O Papa teve um filho.
Dentro da Capela Sistina, o camerlengo permaneceu inabalável enquanto falava. Cinco palavras solitárias e uma conclusão estarrecedora. Toda a assembléia pareceu recuar em conjunto. Os semblantes acusadores dos cardeais transformaram-se em expressões de pasmo, como se cada criatura ali dentro rezasse para o camerlengo estar errado.
O Papa teve um filho. O choque atingiu Langdon também. A mão de Vittoria na sua estremeceu, e a mente de Langdon, já atordoada com perguntas não respondidas, procurou encontrar um centro de gravidade.
A declaração do camerlengo parecia que iria pairar acima deles para sempre. Mesmo no olhar delirante do camerlengo, Langdon conseguia ver pura convicção. E tinha vontade de fugir dali, dizer a si mesmo que tudo não passava de um grotesco pesadelo e acordar em um mundo que fizesse sentido.
– Deve ser mentira! – gritou um dos cardeais.
– Não acredito! – protestou outro. – O Santo Padre era um dos homens mais piedosos e sinceros que já existiram!
Foi Mortati quem falou em seguida, com um fio de voz, abalado.
– Meus amigos, o que o camerlengo diz é verdade. – Todos os cardeais na capela voltaram-se para ele ao mesmo tempo, como se ele tivesse proferido uma obscenidade. – O Papa realmente teve um filho.
Os cardeais empalideceram de susto.
O camerlengo ficou estupefato.
– Você sabia? Mas como poderia saber uma coisa dessas?
Mortati suspirou.
– Quando Sua Santidade foi eleito, eu fui o Advogado do Diabo.
Ouviu-se o ruído de todos prendendo a respiração em uníssono.
Langdon compreendeu. Aquilo significava que a informação era provavelmente verdadeira. O abominável “Advogado do Diabo” era a autoridade máxima quando se tratava de informações escandalosas dentro do Vaticano. Segredos vergonhosos nas vidas dos Papas eram perigosos e, antes das eleições, eram realizadas investigações secretas sobre o passado dos candidatos por um único cardeal que servia de “Advogado do Diabo”, a pessoa encarregada de desenterrar razões por que cada um dos cardeais elegíveis não deveria se tornar Papa. Essa função era uma indicação antecipada do Papa em exercício como um preparativo para a sua própria morte. O Advogado do Diabo nunca revelava a sua identidade. Jamais.
– Eu fui o Advogado do Diabo – repetiu Mortati. – Foi como descobri.
Os queixos caíram. Pelo jeito, naquela noite todas as regras estavam sendo atiradas pela janela. O camerlengo encheu-se de raiva.
– E você não contou a ninguém? ... – Eu interroguei Sua Santidade – disse Mortati – e ele confessou. Explicou a história inteira e pediu somente que eu deixasse meu coração guiar a minha decisão de revelar ou não o seu segredo.
– E seu coração lhe disse para enterrar a informação?
– Ele era o candidato favorito para o papado. As pessoas o amavam. O escândalo teria afetado profundamente a Igreja.
– Mas ele teve um filho! Quebrou seu voto sagrado de celibato!
O camerlengo estava aos berros. Ouvia a voz de sua mãe. Uma promessa feita a Deus é a promessa mais importante de todas. Jamais quebre uma promessa feita a Deus.
– O Papa quebrou seu voto!
Mortati parecia à beira do delírio de tanta angústia.
– Carlo, o amor dele era casto. Ele não quebrou voto algum. Ele não explicou a você?
– Explicar o quê?
O camerlengo lembrava-se de ouvir o Papa dizer enquanto ele fugia correndo: Deixe-me explicar!
Lentamente, tristemente, Mortati contou toda a história. Muitos anos antes, o Papa, quando ainda era apenas um padre, apaixonara-se por uma jovem freira. Ambos tinham feito voto de celibato e nunca pensaram em romper seu compromisso com Deus. Assim mesmo, o amor deles se aprofundou e, embora conseguissem resistir às tentações da carne, viram-se ambos desejando algo em que nunca tinham pensado: participar do supremo milagre da criação, um filho. Seu filho. O anseio, especialmente da parte dela, tornou-se avassalador. Mas Deus ainda vinha em primeiro lugar. Um ano mais tarde, quando a frustração tomara proporções quase insuportáveis, ela foi ao encontro dele toda alvoroçada. Acabara de ler um artigo sobre um novo milagre da ciência – um processo pelo qual duas pessoas, sem terem relações sexuais, podiam ter um filho. Ela pressentia que aquilo era um sinal de Deus. O padre viu a felicidade nos olhos dela e concordou. Um ano mais tarde, ela teve um filho por meio do milagre da inseminação artificial.
– Isto não pode ser verdade – disse o camerlengo, em pânico, esperando que fosse o efeito da morfina em seus sentidos. Devia estar ouvindo coisas.
Mortati tinha lágrimas nos olhos.
– Carlo, foi por isso que o Santo Padre sempre apreciou a ciência. Achava que tinha uma dívida de gratidão. A ciência permitiu que ele experimentasse as alegrias da paternidade sem quebrar seu voto de celibato. Sua Santidade contou-me que lamentava apenas uma coisa: que sua posição cada vez mais destacada na Igreja lhe impedisse de estar perto da mulher que amava vendo seu filho crescer.
O camerlengo Carlo Ventresca sentiu a loucura se instalando nele outra vez. Tinha ímpetos de rasgar a própria carne. Como eu poderia saber?
– O Papa não cometeu pecado nenhum, Carlo. Ele era casto.
– Mas... – o camerlengo vasculhou sua mente angustiada à procura de uma base racional – ... pensem nos riscos desses atos – a voz dele ficou fraca. – E se essa meretriz dele aparecesse? Ou, Deus nos livre, se o filho aparecesse? Imaginem que vergonha seria para a Igreja.
Mortati disse com voz trêmula:
– O filho dele já apareceu.
Tudo parou.
– Carlo – e Mortati quase sucumbiu –, o filho do Santo Padre é você.
Naquele momento, o camerlengo sentiu o fogo da fé quase se extinguir em seu coração. Tremia de pé no altar, emoldurado pelo Último Julgamento, de Michelangelo. Acabara de vislumbrar o próprio inferno. Abriu a boca para falar, mas seus lábios se moveram sem emitir som algum.
– Não vê? – disse Mortati, a voz embargada. – Foi por isso que Sua Santidade foi ao seu encontro no hospital em Palermo quando você era pequeno. Foi por isso que o recolheu e criou. A freira que ele amava era Maria, sua mãe. Ela deixou o convento para criar você, mas nunca abandonou sua rigorosa devoção a Deus. Quando o Papa tomou conhecimento de que ela morrera em uma explosão e você, filho dele, sobrevivera milagrosamente, jurou a Deus que nunca mais o deixaria. Carlo, seus pais eram ambos virgens. Mantiveram seus votos a Deus. E assim mesmo encontraram uma forma de trazê-lo ao mundo. Você foi o filho miraculoso deles.
O camerlengo tapou os ouvidos para não ouvir as palavras. Ficou imóvel no altar. Depois, com o mundo se desfazendo sob seus pés, caiu de joelhos e deixou escapar um gemido desesperado.
Segundos. Minutos. Horas.
O tempo perdera todo o sentido entre as quatro paredes da capela." [Adorei essa parte!] (pg 400).


* "– Saboreiem seu chá – o camerlengo disse aos quatro preferiti, deixando-os na biblioteca particular do Papa antes do conclave. – Seu guia vai chegar daqui a pouco.
Os preferiti agradeceram-lhe, todos animados pela oportunidade de entrar no famoso Passetto. Extraordinário! O camerlengo, antes de sair, destrancara a porta do Passetto e, na hora combinada, a porta se abrira e um padre com aparência estrangeira e uma tocha acesa na mão fizera os entusiasmados preferiti entrarem no corredor. De onde nunca mais saíram. 
Eles serão o Horror. Eu serei a Esperança. 


Não. Eu sou o Horror. 


O camerlengo percorria agora com passadas incertas a escuridão da Basílica de São Pedro. De alguma forma, através da insanidade e da culpa, através das imagens de seu pai, através da dor e da revelação, até mesmo através dos efeitos da morfina, ele encontrara uma brilhante clareza. Uma noção de destino. Sei qual é meu propósito, pensou, admirado com tanta lucidez.
Desde o início, nada naquela noite correra exatamente como ele planejara. Obstáculos imprevistos haviam surgido, mas o camerlengo adaptara-se a eles, fizera ousados ajustes. Contudo, nunca imaginou que a noite terminasse daquela maneira, apesar de agora perceber a preordenada majestade de tudo.
Não poderia terminar de outra forma." (pg 403).


* "A mensagem de Deus era clara.
Três minutos tumultuados passaram-se nos corredores fora da Capela Sistina e ninguém ainda localizara o camerlengo. Era como se o homem tivesse sido engolido pela noite. Mortati estava prestes a solicitar uma busca em grande escala na Cidade do Vaticano quando um brado jubiloso irrompeu lá fora na Praça de São Pedro. Uma comemoração espontânea da multidão, muito ruidosa. Os cardeais se entreolharam, preocupados.
Mortati fechou os olhos.
– Que Deus nos ajude.
Pela segunda vez naquela noite o Colégio dos Cardeais saiu para a Praça de São Pedro. Langdon e Vittoria foram arrastados pelo agrupamento de cardeais e também saíram para o espaço a céu aberto. As luzes das emissoras estavam todas dirigidas para a basílica. E lá, tendo acabado de aparecer na sacada papal localizada bem no centro da imensa fachada, estava o camerlengo Ventresca com os braços levantados. Mesmo à distância, ele parecia a personificação da pureza. Uma estatueta. Vestida de branco. Inundada de luz.
A energia na praça cresceu como a de uma grande onda e logo rompeu as barreiras formadas pela Guarda Suíça. A massa humana fluiu para a basílica em uma eufórica torrente de humanidade, uma investida irrefreável com gente cantando, os clarões das câmeras relampejando. Um pandemônio. As pessoas corriam para perto da fachada da basílica provocando um caos tão intenso que parecia que nada mais as faria parar.
E então algo as fez parar. Por completo.
No alto, o camerlengo fez o menor dos gestos. Juntou as duas mãos no peito. E curvou a cabeça em uma prece silenciosa.
Uma a uma, depois às dezenas e às centenas, as pessoas curvaram as cabeças junto com ele.
A praça mergulhou no silêncio como se um encanto tivesse sido lançado." (pg 405).


* "A visão que o mundo testemunhou ninguém jamais esqueceria.
Na alta sacada, como uma alma que se libertasse de seu envoltório físico, uma pira de chamas luminosas irrompeu do meio do corpo do camerlengo. O fogo subiu, engolfando-o por inteiro no mesmo instante. Ele não gritou. Levantou os braços acima da cabeça e olhou para o céu. A conflagração rugia a seu redor, envolvendo-o todo em uma coluna de luz. Ardeu por um tempo que pareceu infinito tendo o mundo como testemunha. As labaredas ficaram cada vez mais brilhantes. Então, gradualmente, as chamas se dissiparam. O camerlengo se fora. Se caíra por trás da balaustrada ou se desintegrara no ar, era impossível dizer. Tudo o que restou foi uma nuvem de fumaça ondulando no céu acima do Vaticano." (pg 406).


* "Nas Grutas do Vaticano, o cardeal Mortati ajoelhou-se sozinho diante do sarcófago aberto. Estendeu a mão e fechou a boca enegrecida do velho Papa. Sua Santidade agora parecia em paz. Repousando serenamente para toda a eternidade.
Aos pés de Mortati havia uma urna dourada cheia de cinzas. Mortati pessoalmente juntara as cinzas e as levara até ali.
– Uma oportunidade de perdão – disse ele para Sua Santidade, colocando a urna dentro do sarcófago ao lado do corpo do Papa. – Não existe amor maior do que o de um pai por seu filho.
Mortati escondeu a urna sob as dobras da roupa do Papa. Sabia que aquele local sagrado era reservado exclusivamente para as relíquias dos Papas, mas de alguma forma ele achava que aquela era uma atitude apropriada.
– Signore? – disse alguém, entrando nas grutas. Era o tenente Chartrand, acompanhado de três guardas suíços. – Estão esperando o senhor para o conclave.
Mortati assentiu com um gesto de cabeça.
Lançou um último olhar para o sarcófago e depois se levantou. Dirigiu-se aos guardas.
– Já é hora de Sua Santidade ter a paz que mereceu.
Os guardas se adiantaram e, com grande esforço, empurraram a tampa do sarcófago de volta para o lugar. Ela fechou com um estrondo conclusivo. Mortati estava sozinho ao atravessar o Pátio Bórgia em direção à Capela Sistina. Uma brisa úmida agitou a batina dele. Um cardeal saiu do Palácio Apostólico e veio ao seu encontro.
– Posso ter a honra de acompanhá-lo ao conclave, signore?
– A honra é toda minha.
– Signore – disse o cardeal, com ar embaraçado. – O Colégio lhe deve desculpas por ontem à noite. Estávamos cegos com...
– Por favor – interrompeu-o Mortati. – Nossas mentes às vezes vêem o que nossos corações gostariam que fosse verdade.
O cardeal calou-se por um longo tempo. Finalmente, falou:
– Já lhe contaram? O senhor não é mais nosso Grande Eleitor.
Mortati sorriu.
– Já. Agradeço a Deus pelas pequenas bênçãos.
– O Colégio insistiu que o senhor fosse elegível.
– Parece que a caridade não morreu na Igreja.
– O senhor é um homem sábio. Seria um bom líder.
– Sou um homem velho. Seria líder por pouco tempo.
Os dois riram.
Ao chegarem ao fim do Pátio Bórgia, o cardeal hesitou. Virou-se para Mortati entre perplexo e inquieto, como se a precária reverência da noite anterior se insinuasse de novo em seu coração.
– O senhor sabia – cochichou o cardeal – que não encontramos restos na sacada papal?
Mortati sorriu.
– Talvez a chuva os tenha levado embora.
O homem olhou para o céu tempestuoso.
– É, quem sabe..."(pg 408).


* "– Quero lhes apresentar – anunciou Glick – o respeitado professor Joseph Vanek, especialista em assuntos do Vaticano da Universidade De Paul, em Chicago.
O homem juntou-se a Glick na imagem da câmera. Não era um maníaco por conspirações. Ela até já ouvira falar daquele sujeito.
– Doutor Vanek – começou Glick –, o senhor tem algumas informações surpreendentes para nos dar sobre o conclave da noite passada, não é?
– De fato, tenho – disse Vanek. – Depois de uma noite de tantas surpresas, é difícil imaginar que ainda existam mais surpresas. Entretanto... – ele fez uma pausa.
Glick sorriu.
– Entretanto, existe um detalhe estranho em tudo isso.
Vanek assentiu. – Sim. E, por mais desconcertante que seja, acredito que o Colégio dos Cardeais elegeu dois Papas neste fim de semana.
Macri quase deixou cair a câmera.
Glick deu um sorriso astuto.
– Dois Papas, o senhor disse?
O especialista concordou.
– Sim. Antes de mais nada, devo explicar que passei a vida estudando as leis da eleição papal. A judicatura do conclave é extremamente complexa e grande parte dela está hoje esquecida ou é deixada de lado como obsoleta. Talvez nem o Grande Eleitor esteja ciente daquilo que vou revelar agora. Todavia, de acordo com leis antigas e esquecidas enunciadas no Romano Pontifice Eligendo, Numero 63, a eleição não é o único método pelo qual um Papa pode ser eleito. Há outro método, mais divino. Chama-se “eleição por aclamação” – ele fez uma pausa. – E aconteceu ontem à noite.
Glick lançou um olhar penetrante a seu convidado.
– Como devem lembrar – prosseguiu o acadêmico –, na noite de ontem, quando o camerlengo estava no telhado da basílica, todos os cardeais embaixo começaram a gritar seu nome em uníssono.
– Sim, eu me lembro.
– Com essa imagem em mente, permita-me ler o texto original das antigas leis eleitorais. – O homem tirou uns papéis do bolso, pigarreou e começou a ler: – “A Eleição por Aclamação ocorre quando todos os cardeais, como se por inspiração do Espírito Santo, livre e espontaneamente, unanimemente e em voz alta, proclamam o nome de um indivíduo.”
Glick, sorridente, perguntou:
– O senhor está dizendo então que, ontem à noite, quando os cardeais repetiram juntos o nome de Carlo Ventresca, eles na verdade o elegeram Papa?
– Sim, com certeza. Além disso, a lei estabelece que a eleição por aclamação suplanta a exigência de elegibilidade de um cardeal e permite que qualquer membro do clero – padre ordenado, bispo ou cardeal – seja eleito. Portanto, como pode ver, o camerlengo estaria perfeitamente qualificado para a eleição papal por esse procedimento. – O doutor Vanek olhou direto para a câmera.
– Os fatos são estes: Carlo Ventresca foi eleito Papa na noite de ontem. Reinou por menos de 17 minutos. E, se não tivesse ascendido aos céus milagrosamente em uma coluna de fogo, estaria agora enterrado nas Grutas do Vaticano com os Outros Papas."(pg 412).


* "Langdon leu duas vezes o bilhete. O Colégio dos Cardeais sem dúvida escolhera um líder cheio de nobreza e generosidade.
Antes que Langdon pudesse dizer qualquer coisa, Chartrand entregou-lhe um pequeno pacote.
– Em sinal do agradecimento de Sua Santidade.
Langdon segurou o pacote. Era pesado e estava embrulhado em papel pardo.
– Por decreto do Santo Padre – disse Chartrand –, esse objeto do cofre papal é confiado ao senhor em empréstimo por tempo indefinido. Sua Santidade pede apenas que em sua última vontade e testamento o senhor estabeleça que ele deve voltar para o lugar de onde veio.
Langdon abriu o embrulho e perdeu a fala. Era o ferro de marcar. O diamante Illuminati. Chartrand sorriu.
– Fique em paz – disse, virando-se para ir embora.
– Muito... obrigado – Langdon conseguiu por fim dizer, as mãos trêmulas segurando o valioso presente.
O guarda hesitou, já no corredor.
– Senhor Langdon, posso lhe perguntar uma coisa?
– Claro.
– Os outros guardas e eu estamos curiosos. Naqueles últimos minutos, o que aconteceu lá em cima dentro do helicóptero?
Langdon ficou um tanto apreensivo. Sabia que aquele momento chegaria – o momento da verdade. Ele e Vittoria tinham conversado sobre o assunto na noite anterior enquanto se afastavam da Praça de São Pedro. E tinham tomado uma decisão. Antes mesmo do bilhete do Papa.
O pai de Vittoria sonhara que sua descoberta da antimatéria causaria um despertar espiritual. Os acontecimentos da véspera seguramente não eram o que ele pretendia, mas havia um fato que não se podia negar: naquele momento, em todo o mundo, as pessoas estavam pensando em Deus como nunca haviam feito antes. Quanto tempo a mágica iria durar, Langdon e Vittoria não tinham a menor idéia, mas nunca seriam capazes de quebrar aquele deslumbramento com escândalos e dúvidas. O Senhor trabalha de estranhas maneiras, disse Langdon a si mesmo, conjeturando se talvez, quem sabe, o dia anterior correra de acordo com a vontade de Deus, afinal de contas.
– Senhor Langdon? – repetiu Chartrand. – Eu estava perguntando sobre o helicóptero...
Langdon deu um sorriso tristonho.
– É, eu sei – e deixou que as palavras viessem de seu coração, não de sua mente. – Pode ser que tenha sido o choque da queda, mas a minha memória... parece... está toda embaralhada...
Chartrand fez uma cara desanimada.
– Não se lembra de coisa alguma?
Langdon suspirou.
– Tenho a impressão de que isso vai ser um mistério para sempre." (pg 414). [Um milagre talvez...]
[Postado: 17 de outubro de 2009]

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